Monday, June 09, 2008

O Ensino Moral do Cristo: Como Jejuar

“Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuardes, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mateus 6.16-18)


Além do sentido mais analisado nas interpretações acerca desse ensinamento de Jesus, qual seja o que se refere ao convite que o Mestre faz aos discípulos do Evangelho para o jejum dos vícios morais, existem outros argumentos ocultos na simbologia típica de seus discursos, convidando-nos à reflexão sobre a evolução intelecto-moral, bem como à prática desse seu ensinamento imprescindível à segura edificação dos nossos alicerces espirituais, à construção do nosso Eu profundo. O jejum, a unção e a recompensa são termos que aparecem no discurso necessitados de interpretação mais profunda, a fim de se lhes aproveitar todo conteúdo educativo.
No movimento ascensional que todo Espírito realiza, inúmeras são as dificuldades e sofrimentos pelos quais irá passar, principalmente num planeta como o terrestre, de provas e expiações. O sofrimento é resultante das impressões que a matéria (entendida como elemento geral do Universo mas também como categoria filosófica) causa na alma, enquanto esta se encontra reencarnada. A esse respeito, podemos conferir o pensamento luminoso de Léon Denis, em O Problema do Ser, do Destino e da Dor, 18ª edição¹:


"Tudo o que vive neste mundo, natureza, animal, homem, sofre e, todavia, o amor é a lei do Universo e por amor formou Deus os seres. Contradição aparentemente horrível, problema angustioso, que perturbou tantos pensadores e os levou à dúvida e ao pessimismo." (DENIS, 1995)


O pensador emérito faz coro com o Espírito Larcordaire que, no texto Bem e Mal Sofrer, contido no capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, menciona essa mesma contingência evolutiva pela qual passam todos os viventes encarnados na Terra. Lacordaire lamenta, porém, o fato de poucos sofrerem bem, ou seja, de suportarem bem e com dignidade as suas provas. Poucos são os indivíduos que, ao passarem por circunstâncias aparentemente funestas, mantêm uma postura de altivez gerada pela compreensão de ser aquele momento importante para a sua evolução intelecto-moral. A maioria costuma se portar como se estivesse recebendo punição severa do Criador, numa demonstração clara de confundirem sua realidade essencial profunda com o "eu aparente", representado pela persona que ora utiliza. No dizer do filósofo brasileiro Huberto Rohden, não é o Eu profundo que sofre, mas sim o ego periférico, a personalidade presente. O jejum proposto por Jesus não objetiva atender as necessidades do corpo ou da personalidade circunstante, antes serve para exaltar o Espírito. Infantil é o movimento de mostrar às pessoas que estamos jejuando, nesse sentido de auto-exaltação.
O jejum não deve ser confundido com autopunição. É um heroísmo silencioso da alma que, nesse momento, deve avaliar sua real compreensão da vida e das divinas leis. Por intermédio do jejum dos vícios morais, o Espírito, a pouco e pouco, se identifica com sua realidade íntima, suas verdadeiras forças, que é a razão profunda pela qual afirmou o Cristo: “... o que se humilha será exaltado”. A humilhação à qual se refere Jesus é esse movimento de superação das barreiras do ego rumo às dimensões profundas do ser - e isso só é possível quando o indivíduo desenvolve o autoconhecimento. Jejuar é identificar-se com a verdade intima do Espírito imortal que somos todos nós.
Metaforicamente, também recomenda Jesus que o discípulo unte sua cabeça com óleo, ocultando dos homens que jejua, e as razões para isso são simples. Primeiro, aconselha-nos a não buscar no olhar de outrem ou na recompensa pública a aprovação para tal ato virtuoso que, automaticamente e por essa mesma razão, se desvirtuaria. Segundo, diz-nos não ser necessário mortificar o corpo ou a psique para conseguirmos a aprovação de Deus para os nossos atos. O agente regulador da nossa evolução será sempre a nossa consciência, mediadora justa do confronto entre nossas tendências, nossos anseios superiores e nossos condicionamentos primitivos. Sem culpas. Sem radicalismos de qualquer espécie. Portanto, ao jejuar, o ser deve manter uma postura discreta, recatada e precatada quanto às influências do ego periférico. Ungir a cabeça é manter-se em constante comunhão com Deus durante esse sacro exercício de auto-superação.
A recompensa nada mais será que o alcance do autoconhecimento, da compreensão plena dos defeitos e virtudes que possuem todas as criaturas humanas, em regime de auto-avaliação e evolução contínuas. Essa recompensa se dará em público pela revelação do excelente estado de tranqüilidade e paz íntima que aquele que se conhece ilustra nos seus mais sutis atos, gestos, palavras e realizações. Os hipócritas não conseguem realizar esse movimento.
Todo aquele que conhece os princípios das divinas leis, mas mantém com eles uma relação de moralismo superficial e cínico, negando-os em suas ações, age hipocritamente, ilustrando sua debilidade moral. Ao hipócrita ainda satisfazem os mecanismos de justificação engendrados pela persona, bem como o elogio das pessoas acerca dos seus atos, nem sempre vinculados ao Plano Superior da evolução. O hipócrita cria para si uma realidade fictícia, evitando encarar seus demônios internos com coragem e vigor moral. Acomoda-se na mesmice moral e intelectual, contentando-se com os elogios do mundo. A consciência, entretanto, sede da Lei de Deus, mais cedo ou mais tarde, levá-lo-á a aflições que, a partir do próprio âmago, tornar-se-ão insuportáveis. Necessitará, pois, refazer o caminho, buscando a unidade com o Cristo.
Ao nos legar esse ensinamento, suscita-nos Jesus a necessidade de aprimorarmos a nossa fé raciocinada, conclamando-nos à educação integral, a única capaz de gerar em nós hábitos em consonância com as Divinas Leis regentes do Universo.

¹ LÉON, Denis. A dor. In: ___. O problema do ser, do destino e da dor. 18.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995. p. 371.


1 comment:

Anonymous said...

Até então não tinha minhas atenções voltadas para essa interpretação,no que se refere ao jejum, além disso, despertou-me para algumas coisas que costumo falar, como por exemplo: As dores são imprescindíveis na nossa caminhada evolutiva, porém, sofrer é puramente uma escolha do ser encarnado. Como o admiro muito meu irmão, e sei que não gosta de ser bajulado, apenas limito-me a dizer que seu texto é excelente. Espero que tenha entendendido as minhas dúvidas, pois, você é um dos poucos que tiram coerência desses pensamentos desencontrados. Sinceramente sinto-me feliz em ter a oportunidade de ler o que escreve e principalmente de praticar essa caminhada rumo ao Senhor do Universo ao lado de uma das pessoas mais..."Altamente mais ou menos" que conheço.