A obsessão é um
escolho da mediunidade resultante de particular desarmonia existente entre a
consciência, individual e/ou coletiva, e a Lei Divina. De acordo com o capítulo
XXIII de O Livro dos Médiuns, pode
ser dividida em três tipos, conforme o nível de comprometimento da vontade: a
obsessão simples, a fascinação e a subjugação. Em especial, a fascinação é o
processo de tipo mais complexo, em função de ser uma enfermidade que atinge o
psiquismo por meio de sofismas, ludíbrio, crenças, falácias, distorções e
ilusões outras. Aliás, mesmo as inteligências melhor guarnecidas de
instrumentos operatórios aparentemente capazes de enfrentar os desafios
cotidianos podem se revelar frágeis para enfrentar a fascinação, desde que viciadas por um posicionamento
existencial e, por conseguinte, moral, que difira da sua própria realidade ontológica, a de Espírito.
O filósofo
francês René Descartes (1596 – 1650) asseverou com muita propriedade, no seu Discurso sobre o Método, que “o bom senso
é a coisa mais bem repartida do mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que
até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais
bom senso do que aquele que têm”. A declarada auto-suficiência intelectual dos
que assim pensam, neste caso, longe de ser um indicativo de plena ciência de
sua capacidade, é grave sinal de arrogância e vaidade. Sob a influência de tal
modo de pensar acirram-se o orgulho e o egoísmo, situando-se o detentor destes
vícios morais em franca posição de vulnerabilidade espiritual. Do ponto de
vista do conhecimento da própria mediunidade e do seu exercício, mais ainda há
que considerar o médium os efeitos deletérios dessa atitude presunçosa.
A condição
mediúnica aprofunda o mergulho do ser num oceano de ondas que transportam
informações as mais diversas: idéias, emoções, sentimentos, valores morais etc.
Perceba, ou não, conscientemente, o médium. A atração vibracional existente
entre esses elementos e aquele que os percebe ocorre sob o diapasão da lei de
afinidade, o que significa dizer que a assimilação dos materiais veiculados no
universo supramencionado respeita o perfil biopsicossocioespiritual do
percipiente. Sob esse aspecto, a condição intelectual e afetiva individual é da
mais alta relevância na compreensão de como o processo da fascinação acontece.
As
personalidades desequilibradas emocionalmente, as vaidosas, as orgulhosas e as
esquizóides são as que melhor se prestam à influência da obsessão por
fascinação. Kardec descreve os Espíritos fascinadores como manipuladores
intelectualmente refinados que, para darem curso às suas perseguições, costumam
estudar minuciosamente os seus futuros alvos. De acordo com a fragilidade
apresentada pela sua “vítima” é que traçarão a sua estratégia de influência.
Como o autoconhecimento não é devidamente valorizado e sua prática não
totalmente disseminada no seio da Humanidade, a deficiência ou a inexistência do
seu exercício serão a maior fonte dos ruídos comunicacionais aos quais os
indivíduos estarão expostos, e que irão constrangê-los. Tais pessoas poderão
ter os valores éticos tisnados por essas mesmas características, adotando
posturas radicais perniciosas, ainda que sejam elas diametralmente opostas uma
à outra.
Há os que detêm
um sofisticado acervo de justificativas para as suas ações, alegando,
inclusive, a sua inferioridade existencial, moral e intelectual. Argumentam
que, sendo seres imperfeitos, impossível lhes é alterar essa condição,
responsabilizando-se pelo seu aperfeiçoamento, possibilidade esta, inclusive,
para eles, inexistente. Por outro lado, há os que adotam a culpa como postura
psicológica, não conseguindo valorizar os seus avanços porque não os considera
tão importantes quanto os seus defeitos. No conjunto das desculpas e das
auto-acusações mais ferozes, filhas diletas do egoísmo e do orgulho, estão os
conteúdos psíquicos que predispõem os que as vivenciam ao sofrimento provocado
pela fascinação. O indivíduo não se enxerga tal qual é, e isso o fragiliza. A
propósito, o avarento se considerará precavido, o covarde, prudente, o
temerário, corajoso, o recalcitrante, determinado etc.
O observador que
intente dominá-lo, fazendo-o desenvolver condutas esdrúxulas, usará tais
dificuldades como via de acesso à sede consciencial do futuro dominado. Pessoas
jactanciosas e/ou presunçosas perder-se-ão numa barafunda de conceitos e
comportamentos bizarros que irão expô-las e os que as cercam a terríveis
constrangimentos. Caso seja um racionalista ególatra, por exemplo, poderá ser
induzido a pensar que suas discussões pueris mereceriam status de filosofia de
alta relevância e, ele próprio, o de grande polemista. Desarvorados
emocionalmente, muitos sofrerão os efeitos desagradáveis da dissonância
cognitiva na apreciação de alguns quadros: um ciumento não conseguirá
facilmente interpretar como desinteressadas as manifestações de afetividade
daquele ou daquela que é objeto do seu ciúme para com outras pessoas ou alguma
em particular. Observá-las-á através de um prisma opacificado pela sua
insegurança emocional.
Os que desejarem
precatar-se dos efeitos constrangedores da fascinação deverão buscar no autodescobrimento,
no estudo e prática do Evangelho, na prece, na meditação, no conhecimento da
mediunidade e na prática incessante da caridade, o imprescindível lastro da sua
reforma íntima. Para tanto, será necessário adotar a humildade como bússola,
além de corrigir em si mesmo toda manifestação hipócrita ou que à hipocrisia
possa levar, lembrando da lição imortal de Jesus: “Aquele que ouve estas minhas
palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua
casa sobre a rocha” (Mateus 7.2). Buscar o
entendimento da Divina Vontade, por intermédio de um pensar humilde e
reverente, e aceitá-la é condição fundamental para a manutenção do equilíbrio.
A maior superação a que deve aspirar a alma é a do próprio ego e suas necessidades
fantasiosas. A esse respeito, convém lembrar um interessante trecho da resposta
ao quesito 923 de O Livro dos Espíritos,
dada pelos Imortais a Kardec: “O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha
sempre para baixo e não para cima, a não ser para lançar a sua alma ao
infinito”. Nem desdém pelo sofrimento alheio nem inveja dos que lhe estão
acima, mas tão-somente humildade. E humildade só se conquista por intermédio do
conhecimento de si mesmo.
Dito isto, o convite da Boa Nova à prática da caridade, à busca dos valores espirituais em prevalência aos do materialismo, à tranqüilidade consciencial, ao silêncio meditativo, ao perdão, à justiça verdadeira, ao Amor, perenemente desafia a Humanidade aos esforços de renovação. É preciso destituir as expressões intelectuais do ser humano de toda impregnação orgulhosa e egoísta, bem como as afetivas, da pusilanimidade. Jesus espera dos seus aprendizes determinação e fidelidade à sua proposta, mesmo considerando as quedas que ocorrerão ao longo do caminho. O que Ele nos oferece em troca é o tesouro do autoconhecimento, da Verdade que nos libertará.
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