Saturday, August 10, 2013

Fascinação, Distúrbio do Autoconhecimento

A obsessão é um escolho da mediunidade resultante de particular desarmonia existente entre a consciência, individual e/ou coletiva, e a Lei Divina. De acordo com o capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns, pode ser dividida em três tipos, conforme o nível de comprometimento da vontade: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação. Em especial, a fascinação é o processo de tipo mais complexo, em função de ser uma enfermidade que atinge o psiquismo por meio de sofismas, ludíbrio, crenças, falácias, distorções e ilusões outras. Aliás, mesmo as inteligências melhor guarnecidas de instrumentos operatórios aparentemente capazes de enfrentar os desafios cotidianos podem se revelar frágeis para enfrentar a fascinação, desde que viciadas por um posicionamento existencial e, por conseguinte, moral, que difira da sua própria realidade ontológica, a de Espírito.  
O filósofo francês René Descartes (1596 – 1650) asseverou com muita propriedade, no seu Discurso sobre o Método, que “o bom senso é a coisa mais bem repartida do mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm”. A declarada auto-suficiência intelectual dos que assim pensam, neste caso, longe de ser um indicativo de plena ciência de sua capacidade, é grave sinal de arrogância e vaidade. Sob a influência de tal modo de pensar acirram-se o orgulho e o egoísmo, situando-se o detentor destes vícios morais em franca posição de vulnerabilidade espiritual. Do ponto de vista do conhecimento da própria mediunidade e do seu exercício, mais ainda há que considerar o médium os efeitos deletérios dessa atitude presunçosa. 
A condição mediúnica aprofunda o mergulho do ser num oceano de ondas que transportam informações as mais diversas: idéias, emoções, sentimentos, valores morais etc. Perceba, ou não, conscientemente, o médium. A atração vibracional existente entre esses elementos e aquele que os percebe ocorre sob o diapasão da lei de afinidade, o que significa dizer que a assimilação dos materiais veiculados no universo supramencionado respeita o perfil biopsicossocioespiritual do percipiente. Sob esse aspecto, a condição intelectual e afetiva individual é da mais alta relevância na compreensão de como o processo da fascinação acontece.
As personalidades desequilibradas emocionalmente, as vaidosas, as orgulhosas e as esquizóides são as que melhor se prestam à influência da obsessão por fascinação. Kardec descreve os Espíritos fascinadores como manipuladores intelectualmente refinados que, para darem curso às suas perseguições, costumam estudar minuciosamente os seus futuros alvos. De acordo com a fragilidade apresentada pela sua “vítima” é que traçarão a sua estratégia de influência. Como o autoconhecimento não é devidamente valorizado e sua prática não totalmente disseminada no seio da Humanidade, a deficiência ou a inexistência do seu exercício serão a maior fonte dos ruídos comunicacionais aos quais os indivíduos estarão expostos, e que irão constrangê-los. Tais pessoas poderão ter os valores éticos tisnados por essas mesmas características, adotando posturas radicais perniciosas, ainda que sejam elas diametralmente opostas uma à outra.
Há os que detêm um sofisticado acervo de justificativas para as suas ações, alegando, inclusive, a sua inferioridade existencial, moral e intelectual. Argumentam que, sendo seres imperfeitos, impossível lhes é alterar essa condição, responsabilizando-se pelo seu aperfeiçoamento, possibilidade esta, inclusive, para eles, inexistente. Por outro lado, há os que adotam a culpa como postura psicológica, não conseguindo valorizar os seus avanços porque não os considera tão importantes quanto os seus defeitos. No conjunto das desculpas e das auto-acusações mais ferozes, filhas diletas do egoísmo e do orgulho, estão os conteúdos psíquicos que predispõem os que as vivenciam ao sofrimento provocado pela fascinação. O indivíduo não se enxerga tal qual é, e isso o fragiliza. A propósito, o avarento se considerará precavido, o covarde, prudente, o temerário, corajoso, o recalcitrante, determinado etc.
O observador que intente dominá-lo, fazendo-o desenvolver condutas esdrúxulas, usará tais dificuldades como via de acesso à sede consciencial do futuro dominado. Pessoas jactanciosas e/ou presunçosas perder-se-ão numa barafunda de conceitos e comportamentos bizarros que irão expô-las e os que as cercam a terríveis constrangimentos. Caso seja um racionalista ególatra, por exemplo, poderá ser induzido a pensar que suas discussões pueris mereceriam status de filosofia de alta relevância e, ele próprio, o de grande polemista. Desarvorados emocionalmente, muitos sofrerão os efeitos desagradáveis da dissonância cognitiva na apreciação de alguns quadros: um ciumento não conseguirá facilmente interpretar como desinteressadas as manifestações de afetividade daquele ou daquela que é objeto do seu ciúme para com outras pessoas ou alguma em particular. Observá-las-á através de um prisma opacificado pela sua insegurança emocional.
Os que desejarem precatar-se dos efeitos constrangedores da fascinação deverão buscar no autodescobrimento, no estudo e prática do Evangelho, na prece, na meditação, no conhecimento da mediunidade e na prática incessante da caridade, o imprescindível lastro da sua reforma íntima. Para tanto, será necessário adotar a humildade como bússola, além de corrigir em si mesmo toda manifestação hipócrita ou que à hipocrisia possa levar, lembrando da lição imortal de Jesus: “Aquele que ouve estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mateus 7.2). Buscar o entendimento da Divina Vontade, por intermédio de um pensar humilde e reverente, e aceitá-la é condição fundamental para a manutenção do equilíbrio. A maior superação a que deve aspirar a alma é a do próprio ego e suas necessidades fantasiosas. A esse respeito, convém lembrar um interessante trecho da resposta ao quesito 923 de O Livro dos Espíritos, dada pelos Imortais a Kardec: “O homem criterioso, a fim de ser feliz, olha sempre para baixo e não para cima, a não ser para lançar a sua alma ao infinito”. Nem desdém pelo sofrimento alheio nem inveja dos que lhe estão acima, mas tão-somente humildade. E humildade só se conquista por intermédio do conhecimento de si mesmo.
Dito isto, o convite da Boa Nova à prática da caridade, à busca dos valores espirituais em prevalência aos do materialismo, à tranqüilidade consciencial, ao silêncio meditativo, ao perdão, à justiça verdadeira, ao Amor, perenemente desafia a Humanidade aos esforços de renovação. É preciso destituir as expressões intelectuais do ser humano de toda impregnação orgulhosa e egoísta, bem como as afetivas, da pusilanimidade. Jesus espera dos seus aprendizes determinação e fidelidade à sua proposta, mesmo considerando as quedas que ocorrerão ao longo do caminho. O que Ele nos oferece em troca é o tesouro do autoconhecimento, da Verdade que nos libertará. 

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